Depoimentos foram realizados em ato que busca impulsionar a criação de   uma rede de proteção aos defensores e defensoras dos Direitos Humanos e   Ambientais no Brasil.
 Por Paula Salati
Um ato realizado em São Paulo no começo de agosto reuniu relatos de ativistas de diversas regiões do país que estão ameaçados de morte. Entre eles, estão quilombolas, pescadores, indígenas e ativistas do campo e da cidade.
  A atividade “Erguendo Barricadas! Basta de Assassinatos! Nenhum   militante a menos!” aconteceu no dia 08 de agosto no Teatro da   Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA), organizada por   diversas entidades e organizações políticas, entre elas a Associação dos   Professores da PUC-SP (APROPUC) e o Tribunal Popular.
  A professora e presidente da APROPUC, Bia Abramides, conta que o Ato  foi  construído no intuito de “criar uma rede de proteção a lutadoras e   lutadores de todo país” e que foi organizado a partir da morte do casal ambientalista José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva,   no estado do Pará. O casal foi assassinado em uma emboscada em maio   deste ano e, logo em seguida, houve ocorrências de outros assassinatos   no campo brasileiro em menos de duas semanas.
  Durante a atividade, a militante Helena Silvestre do Movimento Popular   Urbano (MPU), chamou a atenção para as remoções populacionais que estão   em curso nas cidades brasileiras, para dar lugar às grandes obras dos   megaeventos esportivos que acontecerão nos próximos anos. “Os projetos   que estão para acontecer irão expulsar gente e, se as pessoas  resistirem  a sair dos lugares onde vivem, é muito possível que  sofreremos  repressões muito duras. E isso vai pra cima dos moradores  das favelas,  das ocupações irregulares, para cima de todo o povo que  vive em áreas  que estão nas rotas de valorização do capitalismo”,  alerta Helena.
  Antes do Ato, os militantes estiveram presentes em uma coletiva de   imprensa, onde puderam contar como vivem e as ameaças que já sofreram.   Dentre as diversas denúncias, relataram a ineficiência e insegurança do   Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do   Governo Federal, como, por exemplo, o número reduzido de policiais   treinados para a segurança de militantes oriundos de comunidades   tradicionais, da periferia e do campo.
Confira a seguir a trajetória e as lutas daqueles que estão em risco por buscar as transformações necessárias no Brasil:
 No Maranhão, quilombolas são perseguidos por lutarem por suas terras
 Por Paula Salati
No   Município de São Vicente Ferrer, no estado do Maranhão, o Quilombo do   Charco é uma das milhares de regiões quilombolas do Brasil cujos   moradores estão sendo ameaçados e assassinados por fazendeiros e grandes   corporações por lutarem pela titulação de suas terras, nas quais   habitam desde antigas gerações.  O quilombola Manoel Santana Costa é um deles. Uma das lideranças do   Quilombo do Charco, Manoel está na lista dos 27 nomes jurados de morte   nas regiões do Charco e do quilombo Cruzeiro e há seis meses está sendo   escoltado por seguranças da Força Nacional.
  Ele conta que a sua situação se agravou após o assassinato do  presidente  da Associação Quilombola do Charco, Flaviano Pinto Neto, em  outubro do  ano passado. “Comecei uma grande luta com a família de  Flaviano e com os  negros do Quilombo para que os assassinos de Flaviano  fossem punidos, o  que até agora não aconteceu”, relata Manoel.
  Flaviano foi morto com sete tiros na região da cabeça e o inquérito   policial realizado apontou como mandantes do crime os fazendeiros Manoel   Matos Gomes e Antonio Matos Gomes, que reivindicam a posse da terra do   Quilombo do Charco.
  “Foram esses dois cidadãos que pagaram um grupo de extermínio para  matar  não só a Flaviano como a mim. E, por uma fatalidade, apenas  Flaviano  foi vitimado. Agora eu tenho três lutas: a luta por uma  titulação do  Quilombo do Charco, a luta pela punição dos assassinos de  Flaviano e a  luta para me manter vivo, porque quando acabou o  inquérito, apontou-se  que era para eu morrer no mesmo dia em que  Flaviano”, diz Manoel com  indignação.
  Ele conta também que preferiu esperar quatro meses para receber  proteção  do Programa Nacional dos Defensores de Direitos Humanos  (PNDDH) do  Governo Federal do que receber ajuda do seu estado. “Eu não  confio na  polícia do estado do Maranhão. Quem matou meu companheiro é  ex-policial.  E as investigações apontaram que ele tem um grupo de  extermínio formado  por ex-policiais militares. Como que, nessa  situação, eu iria aceitar  que um PM entrasse na minha casa?”, diz.
  Manoel conta que a demora para receber proteção ocorreu por conta de   barreiras colocadas pelo Governo do Estado do Maranhão. “Para a Força   Nacional ir para o seu estado, o governador pode não aceitar. A Roseana   Sarney não aceitou. Durante quatro meses, o Governo Federal teve que   negociar com a governadora para não quebrar o pacto federativo”, conta.
Segundo   a liderança quilombola, hoje, para a federação toda, existem apenas  110  policiais treinados para a proteção de defensores dos direitos  humanos.
 Pescador da Baía de Guanabara denuncia as ameaças e danos ambientais da Petrobrás
  Durante o seu relato, o pescador artesanal Alexandre Anderson propôs a   criação de um Selo de Sangue, procedimento que já existe em alguns   países para qualificar as empresas: “Selo de sangue para o papel da   Aracruz. Selo de Sangue para o óleo da Lubrax. Selo de Sangue para o   Minério da Vale. Para mostrar que aquele produto custou a vida de   indígenas, de quilombolas e de pescadores.”
 Por Paula Salati
Na   Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, diversos pescadores artesanais   vêm sendo expulsos da região por conta dos megaempreendimentos   promovidos pela estatal Petrobrás. São banidos sem nenhuma compensação   ou alternativa oferecida pelo poder público do local que habitam há mais   de 100 anos.  Para fazer frente a esta situação, em 2005, pescadores dos sete   municípios banhados pela Baía fundaram o grupo Homens do Mar da Baía de   Guanabara. Alexandre Anderson é um dos pescadores que integram o grupo e   que está envolvido no processo de resistência desde o início. Ele está   na lista dos 30 mais ameaçados de mortes no Brasil, de acordo com   documento divulgado pela Comissão Pastoral da Terra, em junho deste ano.
 
“Estamos presenciando um desenvolvimento e progresso a custa de muito sangue e sofrimento”, denuncia Alexandre. Ele diz que muitas desocupações de famílias de pescadores foram realizadas pela Polícia Militar e pela Marinha do Brasil. “Os espaços, ilhas e pesqueiras foram sendo tomados aos poucos”, relata. Em 2007, 20.000 mil pescadores habitavam a região, hoje são 16.000 mil.
“Estamos presenciando um desenvolvimento e progresso a custa de muito sangue e sofrimento”, denuncia Alexandre. Ele diz que muitas desocupações de famílias de pescadores foram realizadas pela Polícia Militar e pela Marinha do Brasil. “Os espaços, ilhas e pesqueiras foram sendo tomados aos poucos”, relata. Em 2007, 20.000 mil pescadores habitavam a região, hoje são 16.000 mil.
  Alexandre conta que um documento realizado pela Universidade Federal do   Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com os pescadores apontou que, nos   anos 90, 18 comunidades de pescadores utilizavam 78% da Baía de   Guanabara, hoje utilizam apenas 12% e ainda precisam dividir com áreas   assoreadas, o que dificulta demais a pesca.
  Além da degradação ambiental, perseguições são constantes quando   pescadores resolvem se manifestar. Em abril de 2009, realizaram uma   grande manifestação no mar. Cerca de 100 homens ficaram 38 em dias em   cima de um duto da Petrobrás para impedir o seu lançamento para a água.   “Por causa desse protesto houve duas mortes”, conta o pescador. “Nós   vivemos aonde existe um ecossistema que ainda é limpo, onde existe   minério e mata. Então, nós somos um entrave natural para todos esses   mega-empreendimentos”, complementa.
  Durante o seu relato, Alexandre propôs a criação de um Selo de Sangue   para qualificar as empresas, procedimento que já existe em alguns   países. “Selo de sangue para o papel da Aracruz. Selo de Sangue para o   óleo da Lubrax. Selo de Sangue para o Minério da Vale. Para mostrar que   aquele produto custou a vida de indígenas, de quilombolas e de   pescadores”, defende.
Apesar   de ter entrado no Programa de Proteção dos Defensores de Direitos   Humanos em julho de 2009, Alexandre recebe proteção policial do governo   do estado que foi articulada por movimentos sociais após sofrer seis   atentados. “Nesse país, o ativista de Direitos Humanos e Ambientais, por   enquanto, não tem um programa efetivo e adequado para a sua demanda.   Estamos vivendo à mercê da sorte e das nossas articulações”, desabafa.
 No Rio de Janeiro, a ativista Márcia Honorato denuncia grupos de extermínio
 Por Paula Salati
“Minha   luta é contra a violência policial”, declarou a ativista de direitos   humanos, Márcia Honorato, durante o seu relato no Ato contra os   assassinatos e ameaças de morte de militantes sociais, que aconteceu no   início de agosto, no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São   Paulo (TUCA)  Márcia é militante desde 1983 e, atualmente, integra a Rede de   Comunidades e Movimentos Contra Violência do Rio de Janeiro (RJ), assim   como diversas organizações sociais e é conhecida por denunciar grupos  de  extermínios formados por policiais militares nas regiões periféricas  do  Rio.
  Em 1992, Márcia foi morar no município de Queimados (RJ) e lá passou a   cuidar de crianças de rua e de moradores em áreas de risco. Desenvolveu   seu trabalho em um centro espírita da região durante 16 anos.
  Em 2005, quando 29 pessoas foram assassinadas entre Nova Iguaçu e   Queimados, Márcia começou a denunciar os policiais que participaram do   crime que ficou conhecido como “Chacina da Baixada”. Muitos policiais   denunciados foram presos e, desde então, a ativista vem sofrendo   atentados e ameaças de morte.
  Por conta de sua situação, passou um tempo na Alemanha onde adquiriu   dupla nacionalidade. Márcia chegou a fazer parte do programa de proteção   aos defensores de direitos humanos, mas saiu por conta da insegurança   da proteção, relatando que um dos policiais que faziam a sua escolta  foi  preso por assassinar um menino de 5 anos. Além disso, ela conta que   companheiros seus foram mortos enquanto estavam no programa de  proteção.
  Atualmente, a situação de risco de Márcia é reconhecida pela Anistia   Internacional e a militante afirma que, mesmo com toda a pressão que   sofre, não desistirá de denunciar a violência policial e estatal.
 ndio Guarani-Kaiowá denuncia as perseguições do agronegócio à sua tribo
 Por Paula Salati
Despejos   violentos são cotidianos no dia-a-dia da tribo Guarani-kaiowá. No  local  onde vivem, no Mato Grosso do Sul, “soja e boi valem mais que uma   criança”, declara o kaiowá Eliseu.As expulsões, feitas a mando de coronéis, fazendeiros e grandes produtores agropecuários, vem causando graves impactos na vida da comunidade como alta mortalidade infantil e suicídio de jovens.
  Atualmente, cerca de 45 mil Guaranis-kaiowás ocupam um espaço   territorial de apenas 42 mil hectares. “Nossa luta é por demarcação de   terras, o que até hoje não aconteceu”, diz Eliseu. 
Ele denuncia que o estado brasileiro tem sido omisso na questão indígena, tanto em relação à demarcação quanto nas ameaças, assassinatos e despejos da população. “Vim denunciar a violência que está ocorrendo contra a nossa comunidade. Estão matando lideranças e professores e ninguém está sendo punido”, declara o kaiowá.
Ele denuncia que o estado brasileiro tem sido omisso na questão indígena, tanto em relação à demarcação quanto nas ameaças, assassinatos e despejos da população. “Vim denunciar a violência que está ocorrendo contra a nossa comunidade. Estão matando lideranças e professores e ninguém está sendo punido”, declara o kaiowá.
  Um dos casos que ficou bastante conhecido foi o assassinato do cacique   Marcos Verón no ano de 2003, durante um ataque de seguranças da Fazenda   Brasília do Sul. Indígenas ocupavam o local e foram retirados com  tiros,  espancamentos, torturas e sequestro.  Até hoje, nenhum dos  responsáveis  foi punido.
Hoje,   Eliseu também está ameaçado de morte e, por conta disso, não consegue   se manter por muito tempo em um local, tendo sempre que se refugiar em   um lugar diferente.
 No Rio Grande do Sul, advogado do Movimento Negro é perseguido por defender jovem negro e homossexual
 Por Paula Salati
Militante   do Movimento Negro Unificado (MNU), o advogado carioca Onir de Araújo é   atuante na luta pela titulação e regularização de territórios   quilombolas. Atualmente mora no Rio Grande do Sul, onde começou a ser   ameaçado de morte por advogar no caso do estudante Elder Souza.  Elder é negro e homossexual. Saiu da Bahia para ir estudar no Sul, na   Universidade Federal do Pampa. Lá, passou a ser vítima de racismo e   homofobia e foi agredido violentamente pela Brigada Militar do município   de Jaguarão (RS). O estudante realizou denúncia, porém “teve que   retornar à Bahia, porque os soldados que ele denunciou faziam parte de   uma milícia da cidade que prestam segurança privada para latifundiários   da região”, conta Onir.
  A partir do momento em que o Ministério Público Militar confirmou a   atuação de quatro soldados e um sargento na agressão a Elder, Onir,   assim como outras pessoas que se solidarizaram com o caso, começou a   receber ameaças de morte por e-mails e cartas.
  Ele também conta que a existência de quilombos urbanos e do campo no RS   estão sendo ameaçados e que a juventude negra local está sendo   exterminada. Além disso, relata que muitas famílias serão desalojadas   para dar lugar às grandes obras da Copa do Mundo.
Hoje   o advogado está se articulando com outros movimentos e organizações   para se proteger e avalia como positiva a iniciativa do Ato: “Não dá pra   esperar mais militantes morrerem para fazermos Ato”, declara.
 No Jardim Pantanal, moradores estão em constante situação de risco
 Por Paula Salati
Ronaldo   Delfino de Souza, conhecido como Ronaldo do Pantanal, é morador do   Jardim Pantanal, localizado na região leste da capital paulista e é   militante do Movimento Terra Livre e do Movimento de Urbanização e   Legalização do Pantanal.  A região é conhecida pelos sucessivos alagamentos que perduram durante   dias e afetam a moradia e a saúde da população local. Em 2009, a   Prefeitura de São Paulo fez a escolha de fechar as seis comportas da   barragem da Penha para não alagar a Marginal Tietê. Ou alagavam a   avenida ou colocavam em risco a população do Pantanal.
  Ronaldo, por denunciar ações como essas, é um dos militantes urbanos  que  está sendo perseguido pelo poder público. Uma das táticas  utilizadas  pelo poder público para criminalizá-lo aconteceu em 2007.
  Ronaldo conta que, na passagem de 2004 para 2005, a Prefeitura   incentivou uma ocupação de moradia na região em troca de votos para a   eleição do PSDB na cidade. Em 2007, o Ministério Público entrou com uma   ação para retirar as famílias do local e os funcionários da Prefeitura   começaram a dizer para a população que Ronaldo era o responsável pela   desocupação, para a construção do Parque Linear. “O Estado criou uma   nova tática de matar lideranças sem sujar as mãos, ou seja, jogar as   comunidades contra a liderança”, denuncia.
  Os moradores, que eram novos na região e não conheciam muito bem   Ronaldo, se enfureceram e passaram a linchar o militante. Porém, ele   tinha em mãos documentos que comprovavam o contrário e isso acalmou um   pouco a sua situação.
 Mesmo assim, Ronaldo teve que se retirar do Jardim Pantanal por conta de diversas ameaças, mas continua militando ativamente.
 No Pará, multinacionais expulsam trabalhadores rurais do campo e colecionam degradações ao meio ambiente
 Por Paula Salati
Maria   Ivete Bastos dos Santos é uma das trabalhadoras e sindicalistas do   campo que está sendo perseguida por grandes produtores de soja por lutar   contra o latifúndio e a exploração inadequada do meio ambiente. Desde   2007, ela recebe proteção policial do Governo Federal por estar na  lista  dos jurados de morte do Estado do Pará.  No ano de 2002, ela assumiu a liderança do Sindicato dos Trabalhadores e   Trabalhadoras Rurais de Santarém, mesmo período em que a multinacional   Cargill se instalou na região para construir um terminal graneleiro,   responsável por escoar a soja produzida no Centro-Oeste.
  “Quando a soja chegou em Santarém, fomos saber o que é a pressão em  cima  de trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar. Tivemos  que  fazer muito enfrentamento por conta da grilagem de terras e da  expulsão  de trabalhadores. Comunidades tradicionais foram extintas e  problemas  sociais e ambientais são recorrentes”, conta Maria Ivete.
  Ela também diz que diversas casas de pequenos agricultores foram   queimadas “como forma de pressão para que o agronegócio tomasse espaço   de agricultores familiares.” E que na região a regra é: “quem denuncia,   morre.”
  Maria Ivete atuou no Conselho Nacional das Populações Extrativistas ao   lado do casal Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro  da  Silva, mortos em uma emboscada em maio deste ano. Os dois estavam   assentados no Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova   Ipixuna, no estado do Pará e eram militantes ativos das causas   ambientais.
  A agricultora diz que recebeu proteção através de um abaixo-assinado   realizado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas, ao qual   vários países aderiram. Ela também relatou preocupação em relação à   preparação dos policiais oferecidos pelo Programa Nacional de Proteção   aos Defensores dos Direitos Humanos. “Eles não têm preparação para o   dia-a-dia de pessoas oriundas de comunidades tradicionais como   quilombolas, indígenas, trabalhadores do campo, porque, geralmente,   prestam defesa a doutores, juízes, etc.”






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